Tradução na íntegra: Coldplay estampa a capa do The Sunday Times e Chris Martin fala sobre Everyday Life e vida pessoal

28 novembro, 2019

O Coldplay, a maior banda do mundo, está de volta com um novo álbum e Chris Martin agora tem coisas vitais a dizer – mesmo que ele não possa realmente falar

ELES ENCONTRARAM UMA VOZ

Por Jonathan Dean

Quando Chris Martin cumprimenta as pessoas, ele o faz com entusiasmo – pulando pelo chão do Rivoli Balroom, no sudeste de Londres, como um tigre do pop. O vocalista do Coldplay se apresenta com um abraço de urso e um sorriso. Lá fora, a chuva fria da manhã cai enquanto, dentro da maravilhosa atmosfera dos anos 50, a maior banda do mundo está gravando um novo clipe para sua nova canção Cry Cry Cry, do seu recém-lançado oitavo álbum, Everyday Life.

“Nós somos bons com fumaça,” diz a diretora do vídeo, a atriz Dakota Johnson, namorada de Martin, que está atrás das câmeras pela primeira vez e controlando a fumaça. Glitter, garrafas vazias e balões – depois de um casamento – são espalhados e, por horas, vários membros da banda, com chapéus de feltro e rosas, sobem ao palco.

Everyday Life é o álbum mais ousado da atualidade, apresentando não apenas um coral de voz masculina, como também gospel, além de uma música que aborda as leis sobre armas e outras sobre etnia. Há faixas que parecem tão pouco com o Coldplay que a única pista é o nome na capa. Dito isto, o álbum também é o mais parecido com o de estreia da banda, Parachutes, em 20 anos, e sua política aberta será um problema para aqueles que dizem que as grandes bandas (que venderam 85 milhões de álbuns) se esquivam da política atualmente.

A agenda pop pode ser um campo minado, admite o baterista da banda, Will Champion, mas acrescenta: “Não estamos fazendo julgamentos, estamos documentando a vida.” Guy Berryman, o baixista cortês e quieto, é sucinto: “Chris quer expressar com mais intensidade. É o primeiro álbum que fizemos com um selo de advertência aos pais (Parental Advisory).” Pergunto a Jonny Buckland, o guitarrista, se o vocalista mudou muito nas últimas duas décadas. Buckland é o membro mais diplomático de uma grande banda, que você poderia conhecer. Ele atribui o sucesso aos outros e parece quase tímido, especialmente quando Martin aparece e se senta conosco e, sem dizer nada, rabisca um coração em seu caderno, mostra a Buckland e sai de cena novamente.

“De certa forma, ele está completamente diferente,” diz Buckland. “Ele confia em si mesmo mais do que nunca, mas, ainda assim, ele é o mesmo ser humano lindo, engraçado e louco que sempre foi.” No palco, Martin toca Sweet Child o’Mine no piano.

Mas é o único barulho que ele faz o dia todo. O problema é que o cantor perdeu a voz. E eles o chamam de um grande comunicador. Ainda assim, depois de um texto empolgado sobre o uso de aplicativos que Stephen Hawking implantou, elaboramos um plano.

Junto-me a Martin em um provador cheio de chapéus elaborados. Ele está estranhamente mudo, mas, graças ao aplicativo Text to Speech e à disposição deste em fazer um esforço, conseguimos ir adiante com uma entrevista. Sentamos à mesa, com cada lado com uma tigela verde de sopa medicinal, e instalamos os dispositivos – o mais importante, um iPad e seu teclado. Agora, quando faço uma pergunta, o cantor pode elaborar uma resposta, que é dublada roboticamente em uma suave voz britânica conhecida como Arthur. Ele é um datilógrafo rápido, o que ajuda. Vestido todo de preto, ele é como um marionetista, mexendo remotamente seus próprios vocais.

O que há de errado? “Eu cantei demais,” ele digita. Ele rapidamente encontra um ritmo segurando a mão e conduzindo as respostas. Ele pede desculpas, “é um pouco bobo.” Ainda assim, o aplicativo permite palavrões. “Bolas,” ele responde. Você é como um jurado no X Factor. Sou eu – meu assento é o grande trono vermelho. Como o Coldplay teria feito naquele show. “Nós não teríamos chegado às casas dos jurados. Nós teríamos sido a pior boyband de todos os tempos. Eles teriam escolhido o Guy cinco vezes. [ele é frequentemente chamado de “o gato da banda.”] Isto teria funcionado.” Ele sorri. “Eu amo isto!”

Se, como ele disse há poucos anos, o álbum anterior do Coldplay, A Head Full of Dreams, foi aquele que ele sempre sonhou. O que é o Everyday Life? “Todo álbum é isto pra mim, exceto o nosso terceiro,” ele diz, se referindo ao X&Y. “Nós estragamos este. Nós éramos uma bagunça.” Então, se em 2016 a cabeça dele estava cheia de sonhos, de que ela está cheia agora? “Eu não tenho sido capaz de articular isto agora,” ele diz. “Mas eu estou nervoso conversando sobre isto. Assim é como a gente não está, literalmente, no caso de hoje.”

Por que ele está nervoso? “Porque,” ele diz, fechando seus olhos, antes, como uma lâmpada que se apaga, continuando no ritmo, “quando você alcança um ponto e percebe, “uau, nós somos realmente uma grande tribo na Terra, e eis o que eu penso sobre isto,” algumas pessoas podem ainda ver você simplesmente como um homem branco de Devon. E dizer, vá se ferrar.”

Ele quer dizer, especificamente, as novas músicas políticas. Então porque escrevê-las? “Porquê agora, há tanto isolacionismo, e eu não acredito nisto, em absoluto. O fato é, eu quero amar todo mundo, mas muito do que eu penso sobre a vida soa estranho quando eu falo em voz alta. Mas eu estou bem cantando sobre estas coisas.”

Ele teme soar brega? “Um pouco,” ele responde. “Sabe o quê, isto está fazendo eu me preocupar. E a atitude da banda agora, é dizer, “vá se ferrar – apenas faça. O que é muito libertador, desde que você não leia os comentários do YouTube.”

Martin vive a maior parte do tempo em Malibu agora, onde seus filhos com Gwyneth Paltrow, Apple e Moses, estão. No entanto, ele ainda vota na Inglaterra. Quem ele planeja apoiar nas eleições? “Monster Raving Loonies (partido político britânico, conhecido por suas propostas bizarras.)” Quais seriam as suas políticas? “Eu quero colocar o OK, Computer nas bibliotecas das escolas.” Falando sério, qual é o seu pensamento? “Eu provavelmente vote no Partido Liberal Democrático.”

“Eu quero respeitar a liberdade de pensamento de todos,” ele continua. Ele tem o hábito de encontrar uma piada, depois ele volta pro assunto; desta vez, sua piada, “e eu penso que JRR Tolkien estava descrevendo a Inglaterra quando ele escreveu sobre o tempo em que alguns Hobbits queriam se relacionar com o mundo, alguns queriam terminar com seus conflitos. Se você pensar quanta expansão aconteceu nos últimos 25 anos, não é à toa que algumas coisas se contrastam. Toda a esquisitice do momento é uma reação contrária à liberdade de expressão que ocorreu. Ninguém está errado. É só uma questão de quando as pessoas se engajam. Tipo com crises de calamidade.”

O momento se foi. Ele revira os olhos. “Crise climática,” ele tenta de novo, corretamente desta vez, e é difícil assistir a um homem que não é capaz de fazer qualquer barulho rindo.

Eu digo a ele que quero ir fundo. “Sim.” Martin foi criado em uma casa muito cristã, e há muita religião em Everyday Life. São as crenças que ele têm, o bálsamo para os problemas que ele vê no mundo?

“Eu acho que Deus é amor,” ele responde, quase sem pausa. “E Deus é a magia em cada molécula, mesmo nas pessoas que você não gosta. Por anos, eu nunca realmente entendi o que ‘Deus é amor’ significava. Eu achava brega. Mas, na verdade, significa que adicionar amor a qualquer dada situação só torna as coisas melhores. E cada um de nós tem uma escolha mil vezes por dia, qual lado nosso vamos permitir falar. Somos todos incríveis, todos terríveis.”

Ele está radiante, vibrando, claramente afetado com alguma coisa. “Às vezes, Deus é tão visível nas pessoas que você ama. Quem fez isso? Uau!”

Ele está falando do Deus cristão? “Não. Maior. Tudo. Eu me sinto aberto quanto a isso. Não há imagem específica. Ou religião. Todas elas falam dos mesmos fundamentos, antes dos dogmas. E eu acredito na maioria dos fundamentos, senão em todos.”

Nessa hora, a sopa derrama. “Ele derramou sua sopa,” Martin escreve, fingindo dominar a redação da entrevista. “‘Onde está Cardi B?’ Eu me perguntei.”

Como alguém em sua posição não tem um complexo de Deus? “Sabendo que a música vem de algum lugar que desconheço.” Com certeza a bajulação te atinge? “Sim, mas você tem de ser pé no chão. Eu sou um ser humano como qualquer outro, com os mesmos defeitos. Um incêndio também me atinge. A música é o ponto, e não as pessoas que a fazem.”

Dito isso, tem uma música em Everyday Life, ‘Daddy’, que será questionada. Parece uma mensagem da Apple e do Moses para o pai distante deles. Ele respira profundamente.

“OK, eu não gosto de explicar músicas. No entanto, ela veio de três lugares. Primeiro, eu tenho muitas pessoas na minha vida cujos pais pularam fora, o que é triste e perturbador e, se você sente empatia como pai, você pensa, o que ele estava sentindo que achou que isso seria melhor? Em segundo lugar, eu tenho crianças e eu tenho de me ausentar várias vezes. Terceiro e mais importante, [esta música foi] escrita depois de aprender sobre o sistema prisional industrial nos EUA; o racismo declarado tecido de tantas maneiras na legislação, e crianças que, como um resultado, são negados pelos seus pais.”

“Este é o meu ponto primordial, Jonathan. O mundo está de um jeito que você não pode mais apenas ficar quieto com os seus confortos e ignorar o resto dele.”

Ainda assim, este é um trabalho difícil para se ter com crianças pequenas? “Sim, mas não é como ser um soldado ou trabalhar em uma plataforma de petróleo, isso é mais difícil.” Apple e Moses cantam no novo álbum. Como foi isso? “Eu pedi a eles.” Eles não pediram? “Deus, não. E eu os pago, taxas apropriadas como todo mundo. E eles podem dizer não.”

Eu pergunto, brincando, onde ele achou a diretora para a filmagem do dia. “Ela teve a melhor ideia,” ele diz. Você pode dizer que é a Dakota. Ele ri. “Eu tenho que ir,” anuncia. Ele tem um compromisso na Harley Street sobre sua garganta. “Você é bem-vindo para ir comigo.”

Então, nós saímos depois de ele me chamar para um oi e um abraço com Johnson (Dakota). (Nós nos encontramos ano passado.) O casal se beija, e ele e eu vamos em direção à rua, onde está escuro agora. No carro, Martin se senta com seu teclado no colo e o iPad no assento entre nós. “Mark é um ótimo motorista,” ele digita, sobre seu motorista. “O Mark me odeia.” Eu percebo, de perto, que o cantor tem alguns brincos pequenos, sendo um deles uma cruz.

É difícil pensar em uma banda que mudou tanto como o Coldplay o fez. Yellow, a música que estourou a banda, teve um vídeo com um Martin magricelo em uma praia deserta com um casaco velho. Os hits nunca cessaram, com The Scientist, Fix You e Viva La Vida por exemplo mas, Martin, do outro lado, mudou para alguém mais vibrante e colorido, como Dorothy em Oz. Parcialmente isso foi graças ao seu casamento com Paltrow (Gwyneth), e um upgrade em sua vida. Em sua maioria, foi a música, que alcançou mais pessoas a cada lançamento. A turnê mais recente da banda é a quarta de maior bilheteria de todos os tempos, com 523 milhões de dólares em ingressos vendidos.

Eu sugiro uma teoria sobre ele. Olhe para o Martin agora, musculoso, animado. Iria alguém, quando ele estava cantando músicas de amor para calouros solteiros, ter comprado suas expectativas de que ele iria “estourar”? Exatamente. “Bem, se você ama o Bruce Springsteen, você sabe que você não deveria fazer esforços até o quinto álbum.”

Mas ele sabe que mudou? “Sim.” No exterior também? “Não, eu só não era tão maduro naquela época. Eu era mais estressado, com menos ferramentas para lidar com isso.” Quais eram as ferramentas que ele precisava? “Professores e escritores brilhantes. Minhas crianças e sua mãe. Muitas pessoas para aprender juntamente. Eu penso que, se você está aberto, o mundo vai crescer você, mas existem muitas emoções “cruas”, e eu sentia muitas deles e ainda as sinto. Amor, medo. As complexas.”

“As pessoas mudam” – ele continua. “Especialmente quando muitas coisas acontecem em sua vida. Dá uma olhada no Nick Cave. Ele costumava ser um Julie brilhante… Ele balança sua cabeça, tenta novamente. Um viciado brilhante. Agora ele é como Sócrates e o Papai Noel, e ainda assim com músicas incríveis.”

Para alguém que tocou o maior show do intervalo do Super Bowl, ele parece surpreendentemente livre de arrogância. Ele faz uma cara que indica que esse não é o caso. “Eu tenho muita autoconfiança,” ele diz. “Isso é a mesma coisa?” A autoconfiança é acreditar em si mesmo, enquanto a arrogância é a mesma coisa, com a diferença que você faz isso às custas de outra pessoa, não é? Chris parece satisfeito com essa ideia que proponho que mostra a diferença entre as duas coisas, até que eu o faço pensar sobre uma de suas músicas novas, “Champion of the World”, uma que fala sobre a sua escola e que parece apresentar uma vibe de engrandecimento pessoal.

“Este é um bom ponto. Mas a música é mais sobre dizer para mim e para qualquer pessoa jovem, que provavelmente está passando por várias coisas, que elas vão conseguir passar pelo o que quer que seja, elas podem fazer isso. Eu tive várias batalhas internas, assim como muitos adolescentes de 13 a 15 anos. Eu tive umas visões de mundo estranhas e isso não ajudou. Eu tinha a mente fechada e é fácil fazer piada sobre isso, mas estou feliz porque isso pelo menos ajudou a acender um fogo em mim.” É justo dizer que ele sofreu bullying? “Isso é justo. Eu sofri como qualquer pessoa com opinião forte sobre alguma coisa, a ponto de ser entusiasta, sofreria se estivesse em uma escola só para meninos”. Qual era o seu fanatismo? “Religião.”

E então, durante a entrevista, nós paramos em uma das pontes que estava com um grande fluxo de trânsito. Nascido em 1977, Martin tem agora 42 anos, e, segundo Douglas Adams, essa é a idade em que se recebe a resposta para as perguntas mais importantes da vida. Eu pergunto se Chris anda pensando sobre estar em um processo de começar a envelhecer. “Sim,” ele responde. Isso o preocupa? Há uma música no novo álbum que fala sobre o seu primeiro melhor amigo, Tony, que morreu quando os dois tinham 30 anos. “’Existem duas opções: envelhecer ou não.’ Mas eu estou ciente da questão da mortalidade. Eu percebo isso todos os dias. Parte disso se deve ao fato de que eu tenho vários amigos que já não estão mais entre nós, enquanto outra parte faz eu agir como se eu tivesse que aproveitar cada segundo.”

Ele parece muito calmo, o próprio discípulo de ‘feng shui’. “Isso exige bastante de mim, é um grande trabalho mental.” Contudo, o documentário que fala sobre o Coldplay e que foi lançado no ano passado mostra que em alguns momentos o vocalista ainda perde a paciência. Sobre isso, Chris diz: “Eu vou assistir ao filme quando eu estiver velho.” Eu questiono se isso ainda acontece. “Eu ainda me sinto com raiva, mas apenas por dentro.” e completa: “Mas é melhor lidar com isso. Eu não acredito que as pessoas podem mudar de comportamento se eu disser a elas que elas são estúpidas ou que estão erradas. Dizer isso não muda nada e é por isso que, para mim, não adianta me deixar ser consumido pela raiva. Contudo, de vez em quando eu apenas me sinto mal. E eu não posso controlar isso. Algo teve que mudar dentro de mim para manter a banda unida e para manter as pessoas que eu amo ao meu redor.”

O carro encosta, chegou ao fim do nosso percurso e o cantor precisa ir ao médico para estar bem para cantar de novo. Chris estava se preparando para os shows da banda na Jordânia, apresentações que aconteceram uma semana depois do nosso encontro que gerou essa entrevista. Apesar do show no Oriente Médio, o Coldplay não tocará no Glastonbury. Eles foram a atração principal do festival por quatro vezes e, além disso, Martin fez participações nos shows que Kylie Minogue e Stormzy fizeram no Glastonbury deste ano. Na época, alguém twittou: “Por que toda vez ele (Chris) tem que estragar tudo?” E isso trouxe ele de volta à terra.

O Coldplay desperta isso nas pessoas. Eles são uma grande banda e são britânicos, então às vezes eles se tornam alvos dos próprios britânicos. “De certa forma, nós somos como um grande time de futebol,” Martin diz. Então quem são os rivais da banda?, eu pergunto, e isso o deixa sem graça. Talvez esse seja o ponto, afinal, quem são os rivais de uma banda que já conquistou tanto? “Ok, eu acho que nós não somos um grande time de futebol,” ele corrige. Na sequência, Chris, talvez acidentalmente, usa uma metáfora que não desfaz o que foi dito segundos atrás e posiciona a banda como algo singular que veio do Reino Unido. “Nós somos como o Alton Towers (um parque de diversões/resort na Inglatera), ou seja, nós estamos aqui para o seu prazer, mas você não precisa vir se você não quiser.”

Com conteúdo da revista “The Sunday Times” e páginas gentilmente disponibilizadas, na íntegra, pela fã alemã Maren — a qual recebe, aqui, a gratidão de toda a equipe deste site.

Tradução de Carina Noronha, Lívia Morais, Paula Valladares, Thuane Conti e Vitor Porto, todos membros da equipe do Viva Coldplay.

Paula Valladares é Redatora do Viva Coldplay. Paula mora no Uruguai desde 2015, é geógrafa e se tornou fã da banda com o álbum X&Y, em 2005.

error: Content is protected!