“Let’s go Back to the Start”: a fase mais turbulenta do Coldplay

O 8º episódio da série do Viva Coldplay mergulha nos desafios e glórias vividos pela banda durante a gravação e a divulgação de 'X&Y', seu terceiro álbum de estúdio

31 julho, 2023

Como reforçado pela banda muitas vezes, os álbuns ‘Parachutes’, ‘A Rush of Blood to the Head’ e ‘X&Y’ são considerados uma trilogia. Então a gente pode dizer que o caçula, lançado em 2005, foi o rebelde da turma. E você vai entender exatamente o porquê no mergulho que faremos juntos a seguir.

LET’S GO BACK TO THE START

Episódio 8: A fase mais turbulenta do Coldplay

No nosso último encontro, vimos como o antecessor ‘A Rush of Blood to the Head’ tinha sido um verdadeiro sucesso em termos de vendas, shows esgotados e prêmios na conta. O ano de 2004, então, começa com tudo: em janeiro, o Coldplay já estava reunido em estúdio para iniciar o processo de gravação de seu terceiro álbum. 

Embora as expectativas fossem altas, a realidade foi traiçoeira. “Um ano depois e a gente não tem, precisamente, nada finalizado“, diz um Chris preocupado. Segundo Jonny, “foi o processo de gravação menos agradável de todos pelos quais passamos, com certeza“.

O lançamento do álbum foi adiado uma série de vezes, o que levou a uma queda das ações da gravadora EMI e parte desse prejuízo econômico foi, inclusive, transferido à banda. A forma como hoje conhecemos o ‘X&Y’ foi a terceira versão do álbum e isso se deu a dois motivos principais. 

O primeiro deles foi uma mudança na produção musical do álbum. No meio do processo de gravação, Ken Nelson – quem já havia produzido os anteriores ‘Parachutes’ e ‘A Rush of Blood to the Head’ – foi substituído por Danton Supple. A maioria das faixas que ficaram nas mãos do primeiro foram descartadas por conta de uma insatisfação da banda com o que eles próprios haviam composto. 

O segundo se deu devido a uma reconsideração de Chris. De último momento, o vocalista optou por defender a inclusão da faixa ‘Talk’, até então descartada da tracklist. Confiante de que ela seria um grande sucesso, a decisão de Chris conduziu a mais atrasos e, claro, mais indisposição com a própria gravadora. 

Entrevistas e notícias sempre nos deram pistas de que a era ‘X&Y’ não foi exatamente fácil. No entanto, foi no documentário ‘Coldplay: A Head Full of Dreams’, lançado em 2018 e produzido pelo diretor e roteirista Mat Whitecross, que as tensões que permearam esse momento da banda ficaram bem evidentes. Pela primeira vez, fala-se abertamente sobre as dificuldades enfrentadas, tanto durante o período de gravação quanto durante a ‘Twisted Logic Tour’ – nome pela qual ficou conhecida a turnê de divulgação do álbum. 

No depoimento de todos os integrantes, uma ideia é central: a era ‘X&Y’ foi uma verdadeira luta. Um período estranho, de questionamentos, vícios e tensões. E, no documentário, fica claro que isso se deve a um misto de fatores: uma preocupação excessiva com o que os outros esperavam deles, o perfeccionismo do Chris, a pressão da mídia – que o tempo todo noticiava sobre a queda das ações devido ao atraso do lançamento do álbum.

Todos reconhecem, contudo, que o principal fator do mini caos foi a ausência de Phil Harvey, considerado o 5º membro da banda. Fiel escudeiro do Coldplay desde que ainda eram estudantes, Phil conta que a amizade, que sempre existiu entre ele e os meninos, ficou comprometida por conta das relações profissionais, motivo que o levou a desistir de empresariar a banda. 

Phil não esteve conosco por um álbum inteiro e foi quando sentimos muita falta dele. Tomamos decisões que não foram tão boas quanto poderiam ter sido”.

Will Champion

Um outro elemento que também botou mais lenha em uma fogueira já em polvorosa foram as desavenças constantes envolvendo o nosso amado baixista Guy. Em ‘Coldplay: A Head full of Dreams’, o próprio reconhece que agiu estupidamente durante algum tempo de banda, confessando ter gostado de contra argumentar sem motivo e gerar provocações. Ele revela, inclusive, ter tido problemas com álcool durante a era ‘X&Y’. 

Quem vê os dois na maior amizade assim não diria que, nos bastidores,
a coisa podia ser bem diferente

Boatos de que o Coldplay acabaria eram constantes, tanto que resultou nessa foto icônica, publicada pela própria banda em seu website, em reação às constantes investidas dos tabloides sobre esse assunto. 

A própria escolha do nome do álbum parece revelar as turbulências sofridas durante seu período de gravação. Nas palavras de Chris:

“X&Y é a fórmula matemática que deve ser usada quando você não tem a resposta. Mas funciona, também, como o preto e o branco, a esperança e o desespero, o otimismo e o pessimismo. Há uma tensão entre os opostos e isso está por todos os lados. Meu dia é uma mistura [de tudo isso] e isso se revela das maneiras mais diversas. Para mim, o ‘X&Y’ representa os dois lados”.

Como os 18 meses que passaram no estúdio tinham sido difíceis, Chris, Guy, Jonny e Will estavam naturalmente preocupados com a recepção do álbum. O vídeo abaixo registra o momento em que entregaram o single de ‘Speed of Sound’, em abril de 2005, para Steve Lamacq, radialista da famosa BBC Radio 1. A incomum seriedade de Chris denuncia o nervosismo e a inquietação que sofriam:

‘Speed of Sound’, porém, foi um verdadeiro refresco. Lançado oficialmente em maio de 2005, o primeiro single do álbum alcançou o 8º lugar na Billboard Hot 100, a parada musical estadunidense. O Top 10 do Coldplay nos Estados Unidos marcou um feito que não era alcançado por um artista britânico desde os Beatles – que, em 1968, chegaram ao 8º lugar com “Hey Jude”.

E, claro, nem só de sombras viveu a era ‘X&Y’. Lançado em 06 de junho de 2005, o álbum foi o mais bem sucedido do ano, tendo alcançado mais de 1 milhão de cópias vendidas nos Estados Unidos e Reino Unido – e estamos falando apenas da primeira semana de lançamento! 

Quem desconhece a história por trás da arte dessa capa certamente pensa: “O que será que isso significa?”. Esses blocos coloridos, na verdade, são letras no código Baudot – uma das primeiras ferramentas telegráficas do mundo, criada pelo francês Émile Baudot. Todas as capas dos singles lançados posteriormente traziam o nome da faixa escrita no código: além de ‘Speed of Sound’, ainda tivemos ‘Fix You’, ‘Talk’ e ‘The Hardest Part’ como singles. 

‘What If’ e ‘White Shadows’ também foram lançados como singles, porém promocionalmente, isto é, apenas em países específicos. Mas nós também tivemos um “mimo”. No início de 2007, quando a turnê ‘Twisted Logic’ fazia seu encerramento por países da América Latina, uma edição especial do álbum foi produzida, a ‘Latin American Tour Edition’.

A diferença em relação ao ‘X&Y’ está em um segundo CD, que, na verdade, é chamado de DVD: nele, temos os b-sides dos singles lançados na era acompanhados de fotos da banda, os videoclipes de ‘Speed of Sound’, ‘Fix You’, ‘Talk’ e ‘The Hardest Part’ e, por fim, uma entrevista com os integrantes, que comentam faixa por faixa do álbum.

Embora o álbum tenha sido lançado em junho, uma série de apresentações, conhecidas por “shows secretos”, testaram a temperatura de algumas músicas diante do público. Na ocasião, as sortudas cidades de Madri, Colônia e Amsterdam foram palcos de testes.

No entanto, o show considerado de estreia ou da volta do Coldplay para o mundo foi o que ocorreu em 19 de abril de 2005 na Round Chapel, uma famosa capela londrina. Transmitida mundialmente pela MTV, essa apresentação faz arrepiar cada músculo do corpo. Quando possível, não percam a chance de assistirem a essa apresentação completa: 

E quem aqui sabia que, em 2006, quase tivemos um DVD nos moldes do ‘Live 2003’? A apresentação da banda em Toronto, no Canadá, foi filmada por completo nos dias 22 e 23 de março de 2006. De produção robusta e com imagens em alta definição, a expectativa era que se transformasse em um DVD, mas – não se sabe exatamente o porquê – isso nunca foi para frente. Para quem quiser assistir, está na mão:

Apesar do bom desempenho comercial do álbum (‘X&Y’ alcançou o top 1 em 28 países!), as críticas recebidas não foram lá tão positivas e isso refletiu nas maiores premiações do mundo da música. Afinal, muitos dos críticos de revistas compõem o quadro de votantes de grandes premiações. Na 48ª e 49ª edições do Grammy Awards, por exemplo, ocorridas respectivamente em 2005 e 2006, o Coldplay não levou para casa nenhum prêmio, apesar de ter sido indicado para três categorias no total.

Por outro lado, no MTV Europe Music Awards, levaram a melhor como ‘Melhor Banda Britânica e Irlandesa’ e ‘Speed of Sound’ foi agraciada como ‘Melhor Música’. Já no Brit Awards, os troféus foram muitos: ‘Melhor Grupo Britânico’, ‘Melhor Performance ao Vivo’, ‘Melhor Single Britânico’ (‘Speed of Sound’) e ‘Melhor Álbum Britânico.

Imagine receber um prêmio das mãos de Madonna?

E claro que não podemos deixar de mencionar a passagem da banda pelo Brasil! Nos dias 26, 27 e 28 de fevereiro a extinta casa de shows Via Funchal, em São Paulo, recebeu o Coldplay em seu auditório de menos de 3000 assentos. Embora extremamente intimistas, as apresentações contaram com tudo de grandioso que a turnê previa: telão luminoso, balões coloridos na plateia, os até hoje praticados lasers em ‘Clocks’, a famosa luz giratória que Chris lançava sobre a plateia durante a performance de ‘Fix You’…

Para performarem ‘Til Kingdom Come’, houve até um momento que, podemos dizer, provavelmente foram semente dos palcos B e C: os quatro abandonam o palco e se deslocam para o meio do público, levando a plateia à absoluta loucura.

Os quatro durante a apresentação de ‘Sparks’

E agora aquela parte que adoramos: vamos de algumas curiosidades.

Você sabia que o X&Y poderia ter se chamado ‘Zero Theory’? Esse foi o título inicialmente pensado para nomear o terceiro álbum da banda.

Um dos elementos mais legais dessa era eram as câmeras descartáveis que Guy jogava para a plateia em alguns dos shows. Nosso baixista tirava fotos dos bastidores daquela apresentação e, durante a performance da banda no palco, aleatoriamente distribuía esse tesouro. O que a gente não faria para ter uma dessas, hein?

Já notaram, no encarte, que o álbum é dedicado a BWP? BWP representa Bruce Weigert Paltrow, que faleceu em outubro de 2002. Bruce era pai da atriz Gwyneth Paltrow, com quem Chris se casou em 2003. A morte dele abalou a atriz profundamente, e a faixa ‘Fix You’, considerada uma das mais bonitas do Coldplay, foi composta para ajudar Gwyneth a superar esse momento difícil. Na verdade, segundo Chris, a canção foi até mesmo para eles uma luz no fim do túnel; foi ela que os estimulou a enfrentar as dificuldades do difícil período pelo qual a banda passou.

‘Til Kingdom Come’ é a 13ª faixa de ‘X&Y’, porém ela não é listada no encarte como as demais, sendo, portanto, considerada uma “hidden track” (ou “faixa escondida”). A canção foi prevista para ser gravada junto ao ícone do folk Johnny Cash, que infelizmente faleceu antes que isso pudesse se concretizar.

Chris já comentou que a faixa ‘The Hardest Part’ foi inspirada na clássica canção ‘Losing my Religion’, da banda estadunidense R.E.M. E aí, conseguem notar alguma semelhança?

As faixas ‘Til Kingdom Come’ e ‘A Message’ são reflexos do passado religioso de Chris, cuja criação envolveu participar da vida comunitária da igreja. Chris reconhece que a razão pela qual é obcecado em estimular as pessoas a cantarem junto em seus shows é fazer com que elas se sintam parte de algo, como ele se sentia quando cantava louvores.

Por tudo o que vimos, fica claro que a gravação e divulgação de ‘X&Y’ foi um período em que a banda foi testada em muitos níveis. Depois de passarem por muitas provações, não tinha jeito: Phil, a peça faltante do quebra-cabeça, precisava voltar para a gravação do álbum sucessor: ‘Viva la Vida and Death and all his Friends’. 

Afinal, depois de tanta turbulência da era ‘X&Y’, era preciso se reconectarem novamente como amigos. O processo de gravação de ‘Viva la Vida and Death and all his Friends’ (‘Viva’ para os íntimos), foi o momento de restabelecerem a química que estava abalada entre eles e de experimentarem coisas novas (e bota novidade nisso! Até sessões de hipnose fizeram parte do processo!). E, claro, deixaremos você a par de tudo isso no nosso próximo episódio. Então nos vemos em breve!

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