Coldplay lançou o clipe intergaláctico de “My Universe” no dia 30 de setembro. Hoje, com mais de 70 milhões de visualizações no Youtube, a colaboração com o BTS chama a atenção pela sua grandiosidade. Com direção de Dave Meyers, o clipe se passa em um cenário futurístico em que a música é proibida.
É nesse contexto que três bandas em três planetas diferentes desafiam a censura e contam com a ajuda da DJ L’Afrique para unir forças contra os silenciadores. No vídeo, a DJ usa sua rádio alienígena e uma tecnologia chamada de “holoband” para juntar as bandas Coldplay, BTS e Supernova 7. Como resultado, as três tocam juntas enquanto são caçadas pelos silenciadores.
Por trás da execução dessa narrativa envolvente estão diversos nomes, entre eles o de François Audouy — que é Production Designer (designer de produção, em português). Com nome forte nos universos de cinema, TV e clipes, Audouy atuou como Diretor de Arte em “My Universe” e escreveu um estudo de caso detalhado sobre o trabalho.
A seguir, o Viva Coldplay apresenta a tradução para português da íntegra do estudo de caso publicado por François Audouy.
“[Coldplay] não acredita em fronteiras ou separações entre as coisas… A canção ‘My Universe’ lida com um cenário em que uma pessoa escuta de outra que não pode amar alguém, ou que não pode estar junto com alguém de certa etnia, ou que não pode ser gay…. questões nesse sentido”. Chris Martin
// A união que a música causa é um poder universal
Chris Martin e o diretor Dave Myers queriam que “My Universe” fosse uma história de ficção científica em uma época de isolamento, onde a música serve como um fator de unificação. É a história de três bandas tocando em planetas diferentes, tentando transmitir suas canções ao redor da galáxia com a ajuda de uma DJ rebelde chamada DJ L’Afrique.
Dizer que o conceito era “uma viagem” seria um eufemismo, mas a audácia de criar um vídeo tão ambicioso e complexo (com uma preparação de apenas cinco semanas e gravação em Barcelona, na Espanha) foi ao mesmo tempo intrigante e desafiador. Como aprendi no passado, criar vídeos de música não é para os fracos!
“My Universe” seria a terceira canção lançada de um álbum conceito do Coldplay, chamado “Music of the Spheres”, com imagens e temas abrangentes – dos quais algumas apareceram em sonhos do Chris meses (ou talvez anos) antes de finalizar o álbum.
A ideia era misturar as músicas de três bandas rebeldes: Coldplay, BTS e uma terceira banda fictícia chamada Supernova 7, composta por seis alienígenas e um baterista robô.
Essas bandas estariam conectadas através da tecnologia de hologramas no visor da DJ L’Afrique, enquanto uma nave inimiga misteriosa caça os músicos rebeldes. Conforme são caçadas, as três bandas continuam desafiando (os silenciadores) até o fim.
Conforme fui pesquisando as imagens, a produtora espanhola me recomendou um diretor artístico chamado Jud Blud, um Galês que, em terras espanholas, seria o líder do departamento de arte.
Enquanto isso, o desenvolvimento de design acelerava em Los Angeles, coordenado com uma equipe de ilustradores no estúdio One Pixel Brush, de Praga, supervisionado pelo diretor artístico Shaddy Safadi.
Depois, contratei um decorador de set em Barcelona chamado Joan Sebator, que imediatamente começou a imaginar os sets e buscar centenas de partes mecânicas descartadas para reciclar e criar uma estética de “ficção científica suja”.
“A ideia é criar uma peça (clipe) que fala de união em uma época de isolamento. Cada grupo nos planetas de Spheres busca uma maneira ilegal de comunicação e toca música com o auxílio de um renomada rebelde, que está tocando direto das estrelas”, diz Dave Meyers (diretor do clipe).
CAPÍTULO 1
DESIGN DE SET
A Nave de Transmissão da DJ L’Afrique
No início do vídeo, passamos pelos planetas da nossa galáxia multicolorida – as “Esferas” – cujos designs foram inspirados nas cores extravagantes da arte do álbum.
E então somos atraídos pelos formatos distintos entre o entulho que flutua na órbita do planeta Floris. Um olhar mais próximo revela uma nave feita de retalhos de metal soldados juntos, com uma camada de gráficos e marcas peculiares. O design da nave evoluiu para incluir uma janela com um formato de coração – uma homenagem ao “Love Button” que o Chris me deu na nossa primeira reunião.
Dentro da nave conhecemos a DJ L’Afrique – interpretado pela atriz Joe Diao — que controla uma estação de rádio dentro da sua sala steam-punk, cujas paredes são cobertas em milhares de adesivos e pôsteres de bandas alienígenas, inspirado nas paredes do clube novaiorquino CBGB.
A quantidade de detalhes exigidos pelo interior da nave obrigou Joan Sabater a trabalhar no set sem parar por três semanas.
A nave foi construída por uma equipe dedicada, com Joan cuidando dos designs de roupa e a construção feita pelo Por Fun Decorados. A nave incluiu 650 botões acesos, mais de 90 metros de tubulação neon e uma dúzia de displays.
O processo teve um fluxo baseado em esboços e referências, muito por conta do prazo curto e o encontro de itens que ancorariam a decoração do set.
A “cadeira de capitã” da DJ L’Afrique, por exemplo, começou como uma cadeira de barbearia antiga, coberta em uma estampa de oncinha violeta e salpicada com aparelhagem reciclada e eletrônicos descartados.
Alguns dos efeitos de iluminação foram simplesmente luzes de Natal fixadas em bacias de plástico montadas nas paredes. O espírito do design era de improviso, com o objetivo de se divertir ao longo do processo.
“Com a COVID-19 dominando os noticiários, eu acho que meu subconsciente se inspirou no formato do Coronavírus ao criar a nave inimiga (dos silenciadores).”
FRANÇOIS AUDOUY
CAPÍTULO 2
CRIAÇÃO DE PERSONAGENS
Introdução da Supernova 7
Para criar os diversos personagens que fazem parte da banda Supernova 7, eu chamei o renomado designer de criaturas e artista conceitual, Aaron Sims, e sua equipe de colaboradores.
Dave Meyers tinha descrições detalhadas e referências para os artistas, descrevendo-os como uma banda de rebeldes descolados. Seriam eles:
BLAZE
Interpretador pelo ator Rober Gómez, o Blaze é um alienígena que mora na floresta e ama dançar. Seu pelo é amarelo e roxo. Blaze tem um olho em cada lado do rosto, como um camaleão. Com uma vibe descolada e sossegada, ele toca muito bem as suas maracas.
EKO
Interpretada pela atriz Lizeth San Martin, a Eko é uma humanoide com uma vibe mais alternativa/afastada. Ela tem marcas faciais, piercings e muitas joias de metal. A personagem é meio “gótica e emo” e o instrumento que ela toca é inspirado em um teclado feito da carcaça de uma arma iônica.
LOOP E SWITCH
Loop e Switch são os dois menores membros da banda. São diferentes de tudo que já vimos: uma combinação de gnomos com rostos de ornitorrinco e bracinhos peludos com pés de robô, como se fossem criados em um laboratório. Eles pulam em um instrumento que compartilham – um sistema cheio de sinos.
KASIO MARS
Kasio é o vocalista elegante da banda. Ele é um humanoide com orelhas imensas (ou seriam chifres?). Kasio é cheio de cachos lindos e longos. É um pouco metido e ama o palco, principalmente para cantar, mas de vez em quando ele toca um instrumento grande e bizarro com cordas/sinos/xilofone.
Quando o ator Larry Balboa veio com uma barba, o Dave, que estava na vibe de exaltar as diferenças no clipe, disse “não tire a sua barba. Nunca vi um alienígena com bigode.”
DOREAN DELOREAN
Dorean é um robô musculoso e imponente. Seu olhar fica ainda mais intenso quando ele toca a sua bateria com fúria. Seus instrumentos foram feitos a partir de bombas recicladas, antenas parabólicas e várias partes que foram recicladas de naves antigas.
“O objetivo era deixar o Dorean Delorean com uma aparência pesada, mas no fim das contas o figurino pesava somente uns cinco quilos. Como resultado, o ator conseguiu ficar dentro do figurino sem ter que tirar muitos intervalos das gravações.”
JON BLUD
Esse imenso robô foi uma construção prática, com braços de computação gráfica na maior parte das gravações que destacavam a bateria. O traje de robô do Dorean Delorean foi controlado pelo ator Daniel Delgado.
ANGEL MOON
Angel Moon é uma alienígena angelical, transparente e radiante. Ela literalmente brilha com pureza e bondade. Angel flutua, nunca toca no chão. Ela é conhecida pela sua moda delicada e arquitetônica, e toca um instrumento de sopro que parece uma arte moderna.
A atriz Maria José Retamozo interpretou a Angel Moon com o seu instrumento musical, que, na verdade, não passava de um Güiro – um instrumento de percussão típico da américa latina.
CAPÍTULO 3
CRIAÇÃO DO SET DE GRAVAÇÃO
Planeta Floris X Coldplay
Sabendo que estaríamos gravando em Barcelona, uma das primeiras coisas que fiz foi vasculhar a internet por locais interessantes que poderiam servir como locais para os nossos planetas.
O primeiro achado de sorte foi um complexo de piscinas que estava abandonado há décadas, a menos de uma hora do centro de Barcelona, em uma pequena cidade chamada Rubí.
O que fez com que o local fosse ainda mais atraente foi o fato que as autoridades locais nos permitiram fazer qualquer coisa no local, já que ele seria demolido pouco depois da gravação.
Então, trouxemos uma escavadeira e começamos a quebrar a estrutura da piscina. Na sequência, adicionamos cores com tinta e grafitti.
O pintor principal foi o Phillippe Boonen, que veio com uma equipe de pintores para melhorar o grafitti que já havia pelo local, inserindo símbolos alienígenas criados com alfabetos alienígenas que foram criados pelo Coldplay. A banda usa o alfabeto Kaotican desde as primeiras divulgações do álbum, e o idioma foi criado pela artista e designer argentina, Pilar Zeta.
Ainda sobre o set, eu decidi reforçar a aparência das ruínas pintando as ervas daninhas que havia por lá em vários tons de azul e lilás – usei tinta de spray para automóveis.
Fiquei surpreso em ver que as ervas estavam ótimas na hora de gravar – nunca morreram. Reforçamos a vegetação que havia por lá com tecidos e vegetações derivadas. Também instalamos um novo chão no fundo da piscina.
Criei uma placa enferrujada que tinha o texto “NENHUMA MÚSICA É PERMITIDA” e decidimos que aquela era a metáfora perfeita para a canção “My Universe”, principalmente depois de o Chris pintar a palavra “TODA” por cima da palavra “NENHUMA” (transformando o texto em “Toda música é permitida”, uma das primeiras imagens do clipe).
CAPÍTULO 4
COMPUTAÇÃO GRÁFICA
Planeta Calypso X BTS
A parte do BTS seria gravada em um estúdio em Seul, na Coreia do Sul, duas semanas depois da gravação em Barcelona. Nesse sentido, era muito importante já ter o design feito com antecedência – assim a iluminação na green screen (Chroma key) conseguiria ficar realista quando a gente aplicasse os backgrounds via computação gráfica.
Calypso é o planeta do universo fictício do álbum do Coldplay em que BTS aparece no clipe. No meu trabalho de criação, esse planeta ganhou vida seguindo uma ideia de porto de carga (aquele tipo de porto que fica localizado à beira de oceano, mar, lago ou rio – com carga e descarga de navios). No caso do clipe (e do planeta Calypso), o porto é desintegrando – incluindo estruturas enferrujadas desaparecendo em um céu ameaçador.
Inicialmente, exploramos um design do planeta focado em uma fortaleza marítima em ruínas, inspirado em pesquisas de imagens que encontrei em fortalezas da época da segunda guerra mundial (no Mar do Norte).
Shaddy e sua equipe, todos do estúdio One Pixel Brush, usaram essa referência e ilustraram portais no céu – que teriam entulho alienígena sendo jogados em um mar revolto.
Após várias semanas trabalhando essa proposta decidimos utilizar um conceito inspirado em imagens de portos abandonados em Dudunka, na Rússia.
Havia algo evocativo sobre a ideia do BTS tocar em uma imensa estrutura presa a um imenso guindaste enferrujado.
CAPÍTULO 5
ESTRUTURAÇÃO DO SET
Planeta Supersolis X Supernova 7
Voltando para Barcelona, nos deparamos com uma fábrica de cimento abandonada chamada “Cementera Sant Feliu Ubicación”. No passado, era uma fábrica imensa que cortava o céu com uma colina linda atrás, digna de uma abertura de filme do James Bond.
Enquanto estava fazendo o reconhecimento da área, me impressionei com a tubulação imensa que permanecia na construção. Aquilo parecia o escapamento de uma nave imensa. Então fiz um esboço dessa tubulação e mostrei ao Dave (Meyers).
Ele se animou com a ideia na hora, o que nos estimulou a desenvolver melhor a ideia com a equipe de conceito (da One Pixel Brush).
Naquela época a gente já sabia que grande parte da fábrica de cimento seria substituída por efeitos visuais na pós edição. Mesmo assim, a textura e todos os elementos do local se tornaram uma referência valiosíssima para a equipe de efeitos trabalhar depois da filmagem.
Como a fábrica de cimento seria o planeta Supersolis (casa da banda alienígena chamada Supernova 7), nós já filmamos sabendo que haveria uma extensão do set por meio de efeitos CGI – o que provocaria uma manipulação do visual. Por isso, o departamento de arte focou na área em que ficaria ao redor da banda (interpretada por atores) e essa preparação levou dois dias, já que tivemos que instalar mais de 900 metros de gráficos digitais (com sensores) no chão.
Também como parte do trabalho no local, a equipe de efeitos especiais instalou lança-chamas, nitrogênio e mecanismos de faíscas no centro da estrutura – tudo isso para simular o efeito de um foguete em uma rampa de lançamentos horizontal.
Foi o Dave que elaborou o conceito para os objetivos cênicos (props) da Supernova 7. A proposta é que a banda estaria tocando instrumentos feitos a partir de armas alienígenas recicladas (e transformadas em instrumentos).
Nesse caso, abraçamos a ideia do “barato e feliz”. Isso quer dizer que encontramos e usamos objetos pouco elaborados, por exemplos, facas de mentira, armas de brinquedo e armas Nerf. Esses acessórios baratos foram colados juntos e assumiram uma aparência homogênea depois que unificamos as colagens por meio de tintas coloridas e tecidos amarrados.
Art Department Credits
ART DIRECTOR
Jon Blud
SET DECORATOR
Joan Sabater
ILLUSTRATORS
One Pixel Brush
Aaron Sims Creative
SET DESIGNERS
David Brufau
Manuel Romero
GRAPHIC DESIGNERS
Pilar Zeta
Lucía Venturini