Billboard – Entrevista com Chris Martin

13 agosto, 2011

Depois de ouvir oito músicas gravadas para o quinto álbum do Coldplay, Mylo Xyloto, Ray Waddell da Billboard teve a oportunidade de discutir o projeto com a banda de Chris Martin nos bastidores do Centro de Tênis de Los Angeles antes de sua performance no UCLA que ocorreu no dia 3 de agosto. O que se segue é a transcrição da conversa, onde Chris pesa sobre batismos de fogo, a arte de fazer um bom sanduíche, e por que o Coldplay teria arrebentado na década de 1840…

Ray Waddell: Ao escutar as novas músicas, percebe-se que há muita coisa acontecendo, várias forças puxando em direções opostas. É um álbum de sonoridade inquieta que não fica em um lugar por muito tempo. Você tinha um objetivo ou tema inicialmente ou o álbum encontra suas próprias pernas à medida que vocês avançam?
Chris Martin: Como nós ainda não o colocamos em ordem, o objetivo é deixá-lo em um lugar tranqüilo quando terminá-lo. A expectativa para o álbum é de ser livre de qualquer tipo de rótulo musical. Isso vem muito do professor Brian Eno de ‘ir a qualquer lugar. Desde que sejam vocês, podem ir a qualquer lugar. “[Há] também uma história, deveria ser vagamente uma espécie de romance em um ambiente opressivo. É uma espécie de história de amor. Terá um final feliz, então ou você não escutou essa música hoje ou não o escutou na ordem correta (referência ao repórter, já que ele escutou só 8 músicas do CD!)

Parece que você às vezes está em um papel de narrador, particularmente em uma canção como “Paradise”. Isso é algo que vocês nem sempre fazem.
Comecei ouvindo Bruce [Springsteen] e Bob [Dylan]. Ainda está acontecendo, então eu não tive tempo para sentar e trabalhar como falar sobre isso. Que é uma má notícia para esta entrevista …

É ótimo participar disso tão cedo. O processo de gravação deste álbum foi diferente dos álbuns anteriores?
Somente na medida em que nós tentamos não ter medo. Nós aceitamos agora que tudo o que fazemos irá convidar um certo grau de negatividade, então ao invés de deixar que nos deixe constrangidos, desta vez é ‘bem, foda-se. Vamos apenas focar no álbum.

Negatividade de quem?
Nossa carreira aconteceu ao mesmo tempo, como que a ascensão da Internet e todos estão tendo uma opinião. O choque disso perdeu força por volta de 2006, porque no início era como “o que diabos é isso? Milhares de pessoas que odeiam você.” Mas então você esquece as pessoas que realmente gostam do que faz. Assim, a combinação de superar essa preocupação, e trabalhar com [os produtores] Brian Eno e Markus Dravs, pessoas familiares, nos fez sentir que vamos correr com isso neste momento e nos preocupar com o que todo mundo diz mais tarde.

Você está nesta fase “anos de banda”, onde, talvez, é hora de jogar a precaução ao vento. Você se sente assim?
Sim. Eu sempre sinto que cada álbum é o nosso último, mas no momento estou na fase em que eu realmente acho isso. Eu simplesmente não consigo imaginar como faríamos um outro, porque  já lançamos o melhor de nós. Quando terminar, o que esperamos que deve ser muito em breve – tem que ser muito em breve – não teremos sido capazes de colocar mais trabalho nele, que eu acho que é a única coisa que podemos realmente fazer. 

Então, em dois anos você vai sentir vontade de fazer tudo isso de novo?
Eu não sei. Mas eu nunca sei. Eu acho que seria ruim se eu fosse como, “sim, nós temos 15 músicas na manga.” E eu não tenho mais nada.

Mas vocês irão colocar só mais ou menos 10 no novo disco, porém não gravaram algo como 50?
Não, não… Nós iremos finalizar 13. Nós começamos como 490 ou algo louco desse tipo. Mas é um processo seletivo severo dentro do grupo, porque é tão democrático, que até mesmo muitas músicas não chegarão até o final de quinta-feira.

Vocês saíram sem ter a quem pedir opinião e tocaram algumas músicas novas ao vivo nos festivais. Como tem sido isso?
Bem, esse é um bom batismo de fogo. Portanto, há algumas das canções que sei que são muito boas, porque eu conheço quando estamos tocando e não me sinto estúpido. Realmente, a única vez que admito a mim mesmo se uma música é boa ou ruim é ao vivo. Como algumas músicas que já gravamos e eu me convenci de que eram boas, mas depois a gente toca ao vivo eu fico tipo, ‘ah, isso é um aborto maldito. Então, nós tendemos a descartá-las. Mas até agora com as novas que temos tocado tem sido tranquilo. Eu adoro tocá-las.

Mesmo na passagem de som eu poderia dizer que você estava querendo tocar as novas.
Se eu sou honesto, sinto-me orgulhoso da nossa banda no momento, eu me sinto muito orgulhoso de estar nela. Eu sinto que o centro das atenções está muito dividido, equilibrado mais do que nunca, o que é uma coisa boa.

Parece que a guitarra de Jonny Buckland faz uma contribuição maior desta vez.
Quando terminamos o Viva La Vida, estávamos nos sentindo muito satisfeitos com nós mesmos quando ele era  o número 1 ou algo do tipo.  Então … Brian Eno escreveu para nós e disse: “Querido Coldplay. Eu realmente acho que fizemos um bom álbum. Mas eu acho que nós podemos fazer muito mais, e eu sinto que todos nós precisamos voltar ao trabalho juntos o quanto antes, porque eu sinto que [guitarrista] Jonny [Buckland] especialmente, está na rota para alguma coisa, e ele não chegou lá ainda”. Nós ficamos tipo’Ah, que droga cara’, isso foi uma semana após o disco ser lançado. Então aceitamos o desafio, e eu me sinto muito orgulhoso de [Buckland]. Ele exigiu muito de si. Em cinco álbuns, as pessoas que gostam ou não de Coldplay, estão meio que acostumadas com o cantor, então o desafio é tentar mantê-lo interessante para o ouvinte. Quando alguém está em seu primeiro álbum, todo mundo fica animado pelo som de sua voz, seja Amy Winehouse,Adele ou Bono ou quem quer que seja. No quinto álbum, todos já acham natural.

A guitarra faz sentir-se mais proeminente neste disco.
Sim, muito. [Buckland] é uma pessoa muito tímida. Faz-me rir ver quantos momentos que ele tem. E nós mantemos deliberadamente tudo sobre esses momentos.

Quais as pressões vocês enfrentam como uma banda prestes a fazer um novo álbum, comercial ou artisticamente?
A resposta honesta é que eu quero que qualquer um que gaste dinheiro conosco fique realmente satisfeito com a sua aquisição. Se você quer falar simplesmente como eu me sinto sobre isso, isso é nós não fazemos isso por nós, nós não fazemos isso para vender milhões, nós não fazemos isso para responder críticas ou algo do gênero.  Nós fazemos isso para que se você está numa loja e compra nosso disco, ou um ingresso, como um bom sanduíche, você vai, “Isso é bom!”, isso é tudo. E eu olho para os meus heróis tanto nos álbuns e ao vivo e eu acho que aquelas pessoas que eu mais gosto são as pessoas que estão realmente trabalhando para a seu público, Bruce é o exemplo número um. Eu realmente não gosto do “nós só estamos fazendo isso e se você gosta, ótimo’, eu não compactuo com isso.

Então, no final das contas vocês querem a aprovação das pessoas que amam vocês, seus fãs?
Sim. Mas não chega a ser aprovação, é divertimento! Eu só quero que eles gostem disso.

Bom, vocês são divertidos profissionalmente.
Basicamente, sim. E especialmente nesse dia e nessa idade as pessoas tem tantas opções de como passar seu tempo.

Parece que há essa “não pronunciada” esperança na indústria de que o Coldplay possa preencher um vazio como a próxima banda global além do U2 que pode durar pelos próximos vinte anos.
Eu não penso desta forma. Eu acho que um ano, no máximo. A sombra do U2 é muito bela. Mas não há discussão. Nós estamos  em lugares com 20 anos de diferença. Eu amo o U2, não me importo de admitir isso. Mas é simplesmente impossível… nós não… Sim, eu simplesmente não saberia como responder.

Vamos falar sobre algumas canções específicas. “Major Minus” é uma “grande fera” e meio que pega o ouvinte desprevenido. 
Deveria continuar, então?

Na minha opinião deveria. Por que é uma que você acredita que não deva fazer parte disso?
Eu não sei, no momento há algo em torno de quatro diferentes versões da ordem das músicas no álbum, e são muito diferentes entre si. Eu me lembro que no nosso primeiro álbum, nós fomos a Paris e um cara tinha uma versão diferente do “Parachutes” que estava numa ordem diferente, e ele basicamente disse “esse álbum é tão depressivo” e então eu estava como “óh, m*rda”, e então nós mudamos a sequência dele para torná-lo um pouco mais otimista. E agora, neste momento nós temos um grupo de canções que tem em torno de três diferentes ordens do começo ao fim, e eu estou um pouco perdido hoje quanto ao que tirar.

Pessoalmente, eu esperaria que “Major Minus” não fosse uma das que ficarão de fora.
Eu não acho que nós deixaremos essa de fora, porque é para ser meio que perverso, um pedaço sombrio. O vilão. O vilão do Bond, algo digno de George Orwell. Ela surgiu da leitura de “A Estrada” do Cormac McCarthy.

Há quase um sentimento de paranóia nela.
Muita. É a ideia de duas pessoas fugindo de um meio kafkiano, ou algo de George Orwell.

Essa e as outras novas canções pareceram se encaixar bem diante das músicas antigas no Glastonbury.
O Glastonbury é como Mecca para nós. Todas as nossas canções são meio que criadas para serem tocadas lá.

 Acho que um dos riscos de tocar canções ao vivo previamente é que você pode errá-las, como vocês fizeram com “Us Against the World” no Glastonbury, uma beleza verdadeira.
Nós acabamos de terminar a mixagem dela hoje com o Spike (engenheiro Mark Stent). Ele certamente é de confiança. Nós realmente f*demos ela no Glastonbury. 

Sim, mas isso se tornou um momento especial.
(rindo) Foi um momento. Nós temos a regra de que um erro é charmoso, mas qualquer coisa além disso é falta de profissionalismo. Quando acontece, você pensa ‘Tudo bem, será um momento legal’, mas então você está aterrorizado porque você perdeu sua chance.

É um mundo “A La Carte” hoje em dia no quesito ‘consumo’ de música. Mesmo assim sequenciar o álbum parece ser muito importante para a banda, por quê?
Porque ainda há pessoas que se importam com isso. E nós simplesmente não podemos competir num mundo de singles, nós não somos bons o bastante com singles para fazer isso. Então nós temos que usar nossas qualidades. Nós temos alguns bons singles, com certeza, mas nós não podemos competir com Lady Gaga ou Beyonce, ou Justin (Timberlake), se ele pelo menos fosse gravar um disco. É uma boa notícia para todos nós que ele não irá, porque dá chance para todos, mas é uma grande perda para a música o fato de que ele não vá fazer.

Tocar as novas músicas ao vivo talvez mostre o quão profundo esse álbum é e irá atrair mais fãs para ouvir o álbum completo.
Como eu disse, a esperança é que alguém compre o álbum e, parafraseando os anos sessenta, talvez possam se aprofundar nele.

Falando hipoteticamente, se o Coldplay pudesse ter surgido em alguma era da música, qual delas seria da sua preferência?
Provavelmente a de 1840.

Não é tão alto.
Não é tão alto, há muitos clavicórdios (instrumento musical). Nós teríamos arrebentado.

 Como você acha que o Coldplay se encaixa na tapeçaria das bandas contemporâneas? Existe um parentesco com outras bandas?
Eu acho que dentro de um certo grupo de bandas há uma comunidade real. Eu definitivamente sinto que dentro do mundo dos músicos. Talvez porque a indústria vem lutando e você não vende 50 milhões no primeiro disco, todos os números são diferentes de quando nós começamos. Acho que há uma boa camaradagem. Você, obviamente, encontra algumas pessoas que querem ficar de fora. Eu não sei musicalmente, mas nos bastidores e nos aeroportos, todos parecem estar indo muito bem.

Eu acho que isso seria algo gratificante, não como os anos sessenta ou início dos setenta.
Sim, quando os Beatles estavam compondo para os Stones, esse tipo de coisa. E nós temos um bom exemplo, porque um monte de pessoas que amamos tem sido boas e generosas conosco. Por exemplo, quando ganhamos um Grammy recebemos uma carta do Radiohead e aquilo significou o mundo, para eles dizerem “muito bem”. Eles não precisavam fazer aquilo. Eu senti como se todo mundo estivesse junto. Todos querem tanto matar uns aos outros em termos de competitividade, mas para mim isso soou como uma competição saudável.

 Pelo que vi, parece não haver nenhuma ferrugem no Coldplay. Se sente bem agora?
Nós estamos muito gratos e muito motivados. Quanto tempo isso vai durar eu não sei. Eu não sei quanto tempo você pode manter esse tipo de foco, mas todos nós definitivamente temos o mesmo foco ao mesmo tempo neste momento, o que é incomum.

A banda está trabalhando muito duro no acerto deste álbum, e é um acerto longo.
Sim. Mas realmente envolve apenas tocar música.

Agora você está
à beira de uma longa turnê
Uma possível turnê. Não está confirmada nem nada. Me desculpe, eu interrompi você.

Você pretende fazer uma turnê, não é?
Vamos ver. Eu sou apenas um dos poucos que tomam decisões.

Então é uma democracia completa?
Basicamente sim, quando se trata de coisas como essa.

Mas o Coldplay é uma banda ao vivo.
Isso é verdade.

E sempre foi.
Sim, talvez você pudesse falar isso de uma forma convincente.

Considerando que você faça
turnê, está ansioso para sair e tocar essas músicas em todo o mundo?
Bem, no futuro imediato eu estou ansioso para tentar concluí-las. Acho que é muito difícil entregar um álbum.

Como você sabe quando um álbum está pronto?
Quando eu o vejo na liquidação. Então eu sei que acabou. Quando está pronto? Quando é tirado de nosso alcance, involuntariamente. Todas às vezes, achamos que vai ser feito em duas semanas, e cada vez ficamos até o último minuto. Sabemos que queremos que ele saia em Outubro, por isso até o último momento possível, ele será quando ele tem que ser.

Você está satisfeito com a produção da banda durante a última década?
Oitenta por cento, sim.

Eu não estou falando apenas de qualidade, mas como você foi produtivo.
Isso é apenas a maneira que é hoje em dia. Poderíamos ter feito 15 álbuns, mas as boas músicas estariam espalhadas neles. Se você tiver sorte o suficiente para fazer um álbum bom, então é bobagem voltar com outro tão cedo. Todo mundo precisa de um pouco de descanso, não a banda, o público.

Algumas bandas aprendem isso da maneira mais difícil.
É uma escolha, eu acho, não é? Algumas pessoas têm a sua rotina e querem lançar um álbum a cada ano ou dois anos. Nós gostamos de fazê-lo até o máximo, então passar um tempo longe e repensar tudo.

 Hoje você se sente bem em estar no Coldplay e sobre o que essa banda pode fazer?
Eu ainda não posso realmente acreditar nisso. Mas todos parecem empolgados pra mim. Estamos juntos há tempo suficiente para saber como, e isso me deixa animado quando eu posso sentir que os outros estão animados. Talvez eu esteja falando muito cedo, mas eles não parecem desanimados. Eles parecem bastante empolgados. Acho que temos muito a provar para nós mesmos, este é o nosso quinto álbum e não há razão para escapar dele.

Eu sei que você tem um show para fazer, então eu agradeço você ter tido o tempo para fazer esta entrevista.
Não, eu agradeço, também, cara. É o mesmo para os escritores, todos na música tem que ficar juntos um pouco estes dias, você não acha?

É uma forma diferente de se expressar. Eu estarei escrevendo sobre você, eu duvido que você vai escrever sobre mim.
Precisamos de você, todo mundo precisa do outro. É como me sinto sobre isso. Não é apenas “presunção de indestrutibilidade”que era nos anos 80 ou 90. Precisamos uns dos outros.


Traduzido e revisado por: Heitor Teixeira, Camilla Oliveira e Cristiane Santos

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